Gostei do filme em preto e branco do diretor José Henrique Fonseca que trata de ressaltar o caráter perfeccionista de uma pessoa controvertida, da linda e muto linda fotografia de Walter Carvalho que traz todo o glamour de uma época em que todos eram tão superficiais quanto a base da importância de se pertencer ao Hgh society.
O suspense do longa ignora as prováveis curiosidades do espectador em conhecer detalhes da história dessa figura de final já conhecido, nos trai nas imagens das idas e vindas, flash back que percorrem o presente, o delírio, o passado. A narrativa não é confusa, mas não esclarece substancialmente pequenas curiosidades.
Há a mensagem subliminar para aqueles que desejem saber mais: "leiam o livro". O compromisso da telona é com o mito - O que fez muito bem a direção de Fonseca que passa com sutileza a imagem do bom humor do craque, e até permite que os mais atentos percebam sua arrogância na obra cinematográfica como uma arma defesa de alguém que consciente da sua genialidade no gramado, ciente da admiração das mulheres pelo seu rosto bonito, porte imponente, educação e refinamento imaginava conviver com a inveja do restante do mundo, perpetuando aquela arrogância característica da juventude. Em certos momentos me pareceu que Heleno não passou dos 17 anos.
O filme colore a característica de um homem apaixonado por sua atividade esportiva num tempo de transição entre o amadoris-mo e o profissionalismo ainda praticamente inexistente.
Um homem advogado, filho da riqueza do café que só queria jogar bola e, como sabia que jogava bem queria ser aplaudido, ovacionado.
Sua paixão pelo ato de jogar bola e pelo time que defendia, sua ânsia passional de ver expresso por todos a sua capacidade muito acima da média.
Retratando Heleno, o homem, num contexto de uma sociedade que ainda tateava no aprendizado de como tratar as figuras públicas de um setor esportivo que não tinha ainda delineadas suas regras e estatutos.
Ao nos poupar dos detalhes mais dramáticos que a doença impingiu ao craque, a obra preserva a imagem de alguém que tendo o necessário para fazer tudo, fez muito, mas não realizou suas ambições, vítima da sua própria escolha, mesmo aquela que não se sabe exatamente o momento em que é feita.
A demência total talvez lhe tenha protegido das muitas frustrações. Não participou de nenhuma copa mundial, não deu título ao seu time do coração, não viu seu filho crescer e não viveu tanto tempo com a mulher que escolheu para casar. Mas no auge dos efeitos característicos da insanidade mental povocada pela sífilis, esquecido do que era, batia no peito orgulhoso de dizer quem era: “Eu sou Heleno”!
Sim, era e como era!
Também fora boleiro genial, impaciente e até agressivo com os "cabeça-de-bagre".
Corajoso de dizer sobre como se entra em campo defendendo o time e honrando a camisa. Não fosse tão “louco” seu modo de encarar o maneira de exercer a profissão seria argumento de palestras motivacionais...
Ele era Heleno e hoje seria dito “mascarado”, mas ainda na atualidade seria muito mais incompreendida a sua postura de recusar “bicho” pago pelo clube num jogo onde não houve vitória, recebido por colegas que ao seu ver não jogavam pela camisa.
Arrepia essa cena que Rodrigo Santoro, incorporado pela entidade Heleno de Freitas bate no peito e declara sua ética de amor ao clube, comprometimento com resultado e orgulho por seus passes. (ok, que ele era rico e os amigos jogavam para ganhar dinheiro, mas isso não diminui a emoção, por mais que a distribuição da sua parte no "bicho" e queima do dinheiro restante possam parecer arrogância).
Adentra no vício pela inocente porta das drogas permitidas, socialmente aceitas e naquele tempo até com uso admirado por expressar o glamour da riqueza – o lança-perfume, cigarros e as bebidas alcoólicas. Perde a saúde pela falta de orientação e ignorância vigente numa época em que preservativos praticamente não existiam como prevenção de DSTs; segue orgulhoso, negando-se ao tratamento que acreditava lhe causaria impotência; ruma impávido colosso pelo caminho que lhe foi permitido como celebridade optar pelo não tratamento de uma doença ainda, quem pode saber, em estado inicial.
O que eu não gostei no filme é que tudo é tão sutil, apenas o destino implacável e soberano, como aquelas antigas fábulas de moral e bons costumes que os avós contavam na esperança que com elas os netinhos se tornassem bons meninos.
Não aparece no filme, a derrocada do atleta devido o erro do diagnóstico que apontava esquizofrenia, em vez da sífilis cerebral que lhe corroeu os nervos e destruindo os seus neurônios, mostra com clareza a isenção dos médicos do clube em não obrigá-lo a tratar-se.
A trama nos conduz ao pensamento que ele foi apenas alguém que perdeu para si mesmo e a derrota assumiu forma retumbante porque ele não sabia perder. A tranquilidade da normalidade com que o seu melhor amigo lhe rouba a mulher parece dizer "bem feito pra esse menino mal"...
Como o jogador protagonista da 1ª maior negociação do futebol na época, Heleno volta desprestigiado tanto por ter amargado a reserva como pela dispensa do Boca Juniors da Argentina, com neurônios a menos e ouvindo vozes dá ao Vasco o campeonato Carioca de 1949, único da sua careira sem aparecer no pôster oficial dos campeões pelo rotineiro motivo: suas brigas. Sem noção da realidade, certo de que o tempo, a doença e o vício em álcool e éter não lhe atingiriam vai para a Colômbia e se torna lá, ídolo. Já muito atingido pela doença, cheirando éter para sobreviver, sua esposa Hilma, no filme, Sílvia (Aline Moraes) pede o divórcio e Heleno tenta com desespero recomeçar no América do Rio onde realiza o sonho de pisar no Maracanã, mas por apenas 35 minutos.
assista a um gol de Heleno de Freitas pela Seleção Carioca, nos anos 40