16 de out. de 2009

O BALCÃO

(foto do blog terça parte)

Lia uma crônica do Arthur da Távola.
-Caninha da Roça!
-Não tem.
-Qual?
-Caninha da Cidade.
-Cidade...
Baconista de má vontade. A crônica colada numa folha de fichário é colocada num canto do balcão.
-Põe um pouquinho pra provar.
Um olhar de suplício, de condenado ao patíbulo. Então tem que provar uma cachaça genérica, clone da famosa...
Então não eram todas as cahaças extamente iguais? Elas acendiam o fogo da churrasqueira tão bem quanto um pouco de álcool puro... E qual é o bêbado bebe pelo sabor?!
O negro alto e forte, bigode arrepiado, dois dentes faltando, um ar de sommelier, altivo, orgulhoso enquanto o líquido claro caía no copo de vidro exalando-se.
-Mais um pouco!
Torcia boca e bigode. Os dentes ausentes, faziam anunciar que a qualquer momento a língua se estalaria num sonoro aaahh indecentemente vago na expressão do eterno bebedor de cana que jamais saberemos se é dor ou prazer.

A jovem no balcão, leitura interrompida, sonhos interrompidos, lia o fracasso desenhado naqueles rótulos coloridos daquelas garrafas que viravam sempre de cabeça para baixo, derramando-se como quem derrama lágrimas sem motivo aparente. Havia melancolia nos seus olhos e o desejo de levar à forca qualquer um que interrompesse o único prazer que ainda se dava ao luxo de ter.

25/07/1992 * 03/10/1992 * 05/03/2008

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