
Um filme bem feito, muito delicado, bela fotografia com ponto forte na atuação do elenco. Num ambiente onde 3 amigos precisam cada um a
seu modo sobreviver às suas perdas. A
partir da idéia de Hugo (Murilo Rosa) de dividirem uma casa num bairro distante,
próxima do mar, eles viverão a aventura da superação juntos: Lisa (Natália Lage) abandonada grávida pelo
namorado; Hugo há um ano tentando retomar sua vida após a morte do namorado e
Júlia (Ana Paula Arósio) onde a dor da perda terá seu mostruário mais
complexo. Professora de literatura
inglesa, ela é refratária a qualquer tentativa de aproximação, sua grande
questão é: qual é o contrário do amor? De temperamento forte ela sorve seu cálice de
dor e espanto e assim planeja seguir, até que não haja mais nenhuma gota,
passando por fases sombrias de autoflagelação e pensamentos suicidas.
Personagem encucada, que coloca questões
sutis de abordagens raras. Recheado de citações de Virgínia Woolf ,o
filme ainda traz uma pitada da discussão sobre os autores terem a liberdade
literária de escrever sem se pautarem em
suas vivências pessoais. Júlia nunca
planejou uma casa ou sonhou com uma, casa, para ela, seria apenas o cenário
onde sua vida conjugal se desenvolve, por isso não lhe era fácil dividir
espaço, partilhar intimidades com pessoas não de todo íntimas.Júlia a princípio é
azeda, ranzinza mas nas seduções que vão se desenhando ao longo da história,
não é que ela se torna extremamente
interessante?! Tive a impressão de ser Júlia aquela pessoa que só permite
intimidade ao ser amado com o qual se divide a vida, o tempo, a pele... Há uma menção rápida de que ela seria daquelas
que se fecham num relacionamento naquele estilo onde que “mais de 2 é reunião” e
reunião precisa de agendamento...
Se Liza diz que Júlia é egoísta e só pensa em si, antes Hugo
deixa claro para nós espectadores que ela havia “abandonado” sua vida para
cuidar dele quando precisou, motivo pelo
qual ele decide tornar-se seu home care. Uma
personagem tão densa quanto tensa, com valores próprios levados às últimas conseqüências.
Não, o egoísmo não é o pecado de Júlia!
Fechada em sua dor, ela olha com a superioridade dos intelectuais para a
humanidade, sem contudo, desprezá-la,
como um grande escritor olharia para as garatujas da criança que sonha ser
escritor.
Tanto amor elevado à potência do abandono não descarta seus
desejos físicos. Ela é consciente do seu
corpo, parece entender que o esquecimento tem um ciclo que passa por toda teia de nervos, sangue, pensamentos e sentimentos. A dor antes de ser diluída, consumida
esquecida, terá de passar por todos os
estágios da mente e do coração e da carne também.
Um filme sensível que
aborda o sentimento das pessoas mediante perdas, alegrias, esperanças a despeito
da orientação sexual. Neste aspecto o
filme me lembrou muito Eytan Fox e seus filmes onde o gay é apenas uma pessoa
com problemas e soluções tal e qual qualquer
heterossexual. Um filme num ambiente onde
o gay não causa estranhamento, nem está angustiado ou culpado nem orgulhoso ou arrogante-desafiador-vitorioso. Está
simplesmente inserido numa realidade
onde é aceito, se preocupa com contas a
pagar e realização profissional. Ainda assim o roteiro, não deixa de pontuar a falta de segurança financeira das relações homossexuais estáveis,
duráveis, longas: Julia e Antonia
viveram juntas por 10 anos e Antonia se vai, deixando atrás de si um rastro de
pendências práticas e também uma senhoria na porta cobrando de Julia o aluguel não pago e o contrato ainda em seu
nome. Hugo teve mais sorte, pois seu par antes de falecer havia deixado um
testamento.
Para esquecer, é preciso primeiro sobreviver e para sobreviver Julia pensou até em morrer,
o que não destoa das menções de
Cassandra Rios e Virginia woolf . Para a
ranzinza Julia, esquecer não significa
aproveitar-sedas oportunidades de romance e sexo que surgem, ela é
quase indiferente às facilidades da
vida que em seus movimentos põe ao nosso alcance novas pessoas e novidades. Numa determinada cena ela não se vê capaz de reconhecer na rua
entre passantes a sua ex, o que para ela não significa esquecimento. Ela segue o caminho de um esquecimento mais profundo, talvez, esquecer para Júlia, seja estar capaz de se deixar preencher inteira por
outra pessoa, estar disponível e não apenas mais uma vez morar num novo cenário. Esquecer é amar de
novo.
Como Esquecer; Brasil; Drama; 98 minutos; 2010
Europa Filmes
Direção: Malu de Martino
Elenco:
Ana Paula Arósio, Murilo Rosa, Natália Lage,
Arieta Corrêa, Bianca Comparato, Pierre Baitelli
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