4 de nov. de 2010

COMO ESQUECER

Um filme bem feito, muito delicado, bela fotografia  com ponto forte na atuação do elenco.  Num ambiente onde 3 amigos precisam cada um a seu modo sobreviver às suas perdas.  A partir da idéia de Hugo (Murilo Rosa) de dividirem uma casa num bairro distante,  próxima do mar, eles viverão  a aventura da superação juntos:  Lisa (Natália Lage) abandonada grávida pelo namorado; Hugo há um ano tentando retomar sua vida após a morte do namorado e Júlia (Ana Paula Arósio) onde a dor da perda terá seu mostruário mais complexo.  Professora de literatura inglesa, ela é refratária a qualquer tentativa de aproximação, sua grande questão é:  qual é o contrário do amor?  De temperamento forte ela sorve seu cálice de dor e espanto e assim planeja seguir, até que não haja mais nenhuma gota, passando por fases sombrias de autoflagelação e pensamentos suicidas. Personagem encucada,  que coloca questões sutis  de abordagens raras.  Recheado de citações de Virgínia Woolf ,o filme ainda traz uma pitada da discussão sobre os autores terem a liberdade literária de escrever  sem se pautarem em suas vivências pessoais.  Júlia nunca planejou uma casa ou sonhou com uma, casa, para ela, seria apenas o cenário onde sua vida conjugal se desenvolve, por isso não lhe era fácil dividir espaço, partilhar intimidades com pessoas não de todo íntimas.Júlia  a princípio é azeda, ranzinza mas nas seduções que vão se desenhando ao longo da história, não é que ela  se torna extremamente interessante?! Tive a impressão de ser Júlia aquela pessoa que só permite intimidade ao ser amado com o qual se divide a vida, o tempo, a pele...  Há uma menção rápida de que ela seria daquelas que se fecham num relacionamento naquele  estilo onde que “mais de 2 é reunião” e reunião precisa de agendamento...
Se Liza diz que Júlia é egoísta e só pensa em si, antes Hugo deixa claro para nós espectadores que ela havia “abandonado” sua vida para cuidar dele quando  precisou, motivo pelo qual ele decide tornar-se seu home care. Uma personagem tão densa quanto tensa, com valores próprios levados às últimas conseqüências.  Não, o egoísmo não é o pecado de Júlia! Fechada em sua dor, ela olha com a superioridade dos intelectuais para a humanidade, sem contudo,  desprezá-la, como um grande escritor olharia para as garatujas da criança que sonha ser escritor.
Tanto amor elevado à potência do abandono não descarta seus desejos físicos. Ela é  consciente do seu  corpo, parece entender que o esquecimento tem um ciclo que passa por toda teia de nervos, sangue,  pensamentos e sentimentos. A  dor antes de ser diluída, consumida esquecida,  terá de passar por todos os estágios da mente e do coração e da carne também.
Um filme  sensível que aborda o sentimento das pessoas mediante perdas, alegrias, esperanças a despeito da orientação sexual.  Neste aspecto o filme me lembrou muito Eytan Fox e seus filmes onde o gay é apenas uma pessoa com problemas  e soluções tal e qual qualquer heterossexual.  Um filme num ambiente onde o gay  não causa estranhamento,  nem está angustiado  ou culpado nem orgulhoso  ou arrogante-desafiador-vitorioso. Está simplesmente  inserido numa realidade onde é aceito,  se preocupa com contas a pagar e realização profissional. Ainda assim o roteiro,  não deixa de pontuar a falta de segurança  financeira das relações homossexuais estáveis, duráveis, longas:  Julia e Antonia viveram juntas por 10 anos e Antonia se vai, deixando atrás de si um rastro de pendências práticas e também uma senhoria na porta  cobrando de Julia  o aluguel não pago e o contrato ainda em seu nome. Hugo teve mais sorte, pois seu par antes de falecer havia deixado um testamento.

Para esquecer, é preciso primeiro sobreviver  e para sobreviver Julia pensou até em morrer, o que não destoa  das menções de Cassandra Rios e Virginia  woolf . Para a ranzinza Julia, esquecer  não significa aproveitar-sedas oportunidades de romance e sexo que surgem, ela é quase indiferente às  facilidades da vida  que em seus movimentos põe ao  nosso alcance novas pessoas e novidades.  Numa determinada cena  ela não se vê capaz de reconhecer na rua entre passantes a sua ex, o que para ela não significa esquecimento. Ela segue  o  caminho de um esquecimento  mais profundo,  talvez, esquecer para Júlia, seja  estar capaz de se deixar preencher inteira por outra pessoa, estar disponível   e não  apenas mais uma vez  morar num novo cenário. Esquecer é amar de novo.


  Como Esquecer; Brasil;  Drama;  98 minutos; 2010
 Europa Filmes
Direção:  Malu de Martino


Elenco: 
Ana Paula ArósioMurilo RosaNatália Lage
Arieta CorrêaBianca ComparatoPierre Baitelli 

Nenhum comentário: