4 de mar. de 2012

ALBERT NOBBS

Baseado em um conto do escritor George Moore

“A vida sem decência é insuportável”

Sabe aquela opinião recorrente de que todo filme, baseado numa obra literária, fica sempre devendo? 
Só por isso jamais  pensarei em ler o conto  de George Moore...  Albert Nobbs,  eis um filme que se fosse livro me levaria para a terapia. Nâo que eu acredite nesse  clichê de livro bom = filme no máximo razoável, mas vai que seja verdade, já que  “o  povo aumenta mas não inventa”? 
Saí da sessão visivelmente abatida e as boas companhias me livraram da depressão. Permaneci fustigada por uma curiosidade imensa: afinal o que vão as pessoas  buscar nas telonas? 
Diversão, não creio que apenas isso, há filmes impossíveis de divertir. 
Distração? Talvez, mas como fugir de um filme que insista em  fazer pensar? 
Bem, vá lá, pensar distrai!!! Os comentários sobre este filme estão tão técnicos, frios, não dão conta  que encontra-se muito mais que a inexistente surpresa  de  se tratar de uma personagem travestida.  E como a surpresa não mais existe e como todos já falaram bastante sobre o filme, sobra-me comentar sobre o filme que talvez só eu tenha visto...
                      
  
O Filme:
Albert Nobbs é uma mulher que desde a adolescência se veste de homem para conseguir trabalho, no contexto do filme ,  século XIX, cidade de Dublin, Irlanda trabalho não era sinônimo de emprego, mas de sobrevivência e dificuldades em  tempos para lá de bicudos mesmo para os homens.
O filme tem um andamento lento e é pontuado por silêncios no entanto, não há desperdícios de cenas todas são indispensáveis. As personagens são muito bem delineadas e podem nos trazer lembranças de algum conhecido real, daqueles que com certeza não gostaríamos de lembrar,  como o namorado explorador,  a “piriguete dissimulada”, a patroa  simpática e exploradora,  o homem desiludido, colegas de trabalhos bem intencionados e fofoqueiros...  

Passado numa época antiga, tem questões atuais. Com um pouquinho de atenção percebe-se  que a expectativa feminina não mudou muita coisa – um bom partido, precisa ter  “pegada”.  Logo no início tem uma cena que achei bem bacana, onde os hóspedes  do hotel chegando se organizando  lembram as cortes reais. 


Albert é uma figura entre curiosa, elegante, esquisita. Ele  é  um tímido e sua timidez uma arma, afinal, é preciso manter as pessoas  distantes e preservar o seu segredo. Aquela vidinha dele lembrou-me  a música do Belchior, “pequeno perfil de um cidadão comum”. Uma vida triste, um passado amargo e perturbador. Não fosse isso ele seria uma pessoa mais aberta, tagarela e atirada como Hubert Page (Janet McTeer), também mulher, travestida pela mesma questão da violência social de uma época em que as mulheres  eram um nada.
Hubert Page (Janet McTeer)
Janet McTeer com seu Hubert Page aparece praticamente de cara lavada, gestos amplos, muita roupa, seu rosto não exibe traços tão femininos  mas não me apareceu homem em nenhum momento. Glen Close, no seu disfarce, é o  total desprendimento da vaidade e Albert é  é o oposto de Hubert que descobre o seu segredo e que na união  pela desgraça, lhe desvia do estoicismo que até então lhe garantia a sobrevivência.

Albert Nobbs  sobrevive uma vida na qual espera a oportunidade de viver. 
Trabalha, dorme acorda, como o perfeito serviçal, doce mas sem sentimentos aparentes. Conhecer Hubert, o pintor de paredes contratado para um serviço no hotel onde mora e trabalha, foi uma  restiazinha de luz naquela alma solitária.

Fico a me perguntar se teria a mesma percepção do filme se não o assistisse no mês de comemoração e homenagens ás mulheres. 
A história deixa nas entrelinhas um ensinamento rudimentar: 
a sexualidade não tem tanto a ver com o modo como se vive ou se veste, mas a ausência dela sim. 
A esperança de felicidade, a luta por um objetivo que se acredita, trará felicidade traz consolo enquanto este sonho não é partilhado. 
É possível conviver com a melancolia, em paz com a timidez desde que não se conheça o amor. 
Sim,  o amor pode ser um tormento.
Glen Close e Mia Wasikowska  (Helen)
Albert vivia sonhando em ser feliz e para ter direito a este sonho, não precisava viver muitas coisas, conseguia economizar todos os seus centavos. 
Era pontual e focado. Até que um dia comeu do fruto do conhecimento, aquele mesmo que a serpente ofereceu ao casal, nossos ancestrais, primeiros habitantes do paraíso. E o moço que só tinha direito a um sonho futuro descobriu  algo que se chamou de amor e perdeu o sossego, aliás muito mais do que isso. 
E o querer era tanto que ele não mais via ou ouvia. 
Sua vestimenta e comportamentos masculinos, até então , ferramentas para a sobrevivência, poderiam ser até mesmo um caminho para uma felicidade romântica. 
Foi assim para Hubert, que abandonou o marido levando suas roupas (dele), cansada de tanto apanhar diariamente. Porque não seria para Albert, que escondeu sua feminilidade após ter sido violentada por vários “vizinhos” moradores de rua? Considerei emblemática a cena do passeio que o garçon e o pintor fazem na paria usando os vestidos Cathleen, quando Albert se reencontra com o lado feminino que escondeu durante mais de 30 anos. 
Aaron Johnson como Joe


 Uma grande questão da vida é se a felicidade sonhada será redenção, elevação ao paraíso ou a queda aos abismos do inferno. Como saber, se não vivendo, tentando, experimentando, arriscando? Não viemos à vida senão para nos expor aos riscos de viver.  

Glen Close carrega o filme, porque desperta em nós uma ternura que só os seres infelizes e inconscientes da sua infelicidade podem despertar. Nunca antes eu havia vistos os olhos da atriz tão comunicativos nos sorrisos que os lábios omitiam. Albert Nobbs me trouxe uma confirmação: “A VIDA SEM DECÊNCIA É INSUPORTÁVEL” e uma informação sobre cinema:  não basta um desempenho brilhante, é preciso uma personagem que brilhe e que na escassez de sorrisos, possa se expandir. Toda a dura e primorosa construção corporal para este Albert é em direção à contenção e silêncio e,  jamais um simples e tímido cidadão de Dublin poderia realmente vencer a imponente Dama de Ferro, emprestando uma exuberância à uma direção inexpressiva.
Curiosidades:
  • O diretor Rodrigo Garcia  é filho de Gabriel Garcia Marques
  • Glen Close: 65 anos,  já havia interpretado Nobbs no teatro em 1982 e, por 15 anos, lutou para levar a história para o cinema. Seu envolvimento foi tão grande que ela também produziu o filme e assinou o roteiro com John Banville.
  • O diretor Rodrigo Garcia  é filho de Gabriel Garcia Marques
  • O filme concorreu ao Oscar em 3 categorias: Melhor atriz: Glenn Close; Melhor atriz coadjuvante: Janet McTeer ; Melhor maquiagem. Não levou nenhuma estatueta. Ainda assim é um filme que deve ser assistido. Seria um bom tema para os ativistas, feministas e um ótimo material de reflexão principalmente para  homofóbicos.
Nota: 7 para o filme. 8,5  para o roteiro

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