25 de ago. de 2010

Pra Você Saber

 
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Eu queria que você soubesse que o que começou entre risos, por uma porta mal trancada foi aos poucos sendo surpreendido pela tristeza, tão comum em nossos dias que se percebemos não demos atenção.
Vamos vivendo e tornando-nos sábios demais, questionamos o que não sabemos, sobretudo o que não queremos aceitar. 
Às vezes,quase sempre somos tão evoluídos que nos tornamos descrentes dos cuidados mais óbvios a tomar com o nosso coração e o do próximo. Às vezes esquecemos que o próximo não é parente e muitas vezes o parente não é tão próximo. 
Há verdades desacreditadas simplesmente porque são cafonas e dessas, a mais demodê é: "orai e vigiai". 
Ninguém vigiou tanto quanto Clarice Lispector e hoje o resultado das suas vigílias e vigilâncias são verdadeiras orações disseminadas pelas redes sociais como verdades, conceitos tão filosóficos quanto religiosos tal no fervor que a elas atribuímos. Gosto de Imaginar que essas verdades nasceram como dúvidas, angústias, tristes constatações ou quem sabe apenas a obrigatoriedade de produzir mais um texto...
Clarice vigiava a si, aos seus dias, ao mundo ao seu redor. Vigiava o ovo, vigiava a galinha. Vigiava a menina e as árvores do Jardim Botânico. 
Ela vivia e tinha consciência disso, como se um  ser consciente do dom da vida e responsável por seu modo de viver fosse das coisas mais simples, normais, comuns...

Ser consciente do fato de se estar vivendo, muitas vezes não nos faz sentir que estamos vivos, quase sempre nos traz constatações traiçoeiras que gostaríamos de evitar, pois às vezes  parece que não iremos suportar.

Conversar consigo mesma, certificar muitas das nossas incompetências para a felicidade e atestar os "micos" que é em dado momento não estar preparado pra viver como fosse a vida um banquete e nós desdentados, essas coisas que alguns escondem dos outros, outros de si mesmos, mas Clarice atestava escrevendo, assinava embaixo, publicava e discutia entre charmosas baforadas e filtros nicotinados pintados de batom.

Vamos vivendo e tornando-nos sábios demais a ponto de espalharmos ao mundo nossas certezas, tão evoluídos que esquecemos que o que é verdadeiro no nosso coração com certeza  não é no coração do próximo. Às vezes esquecemos que o próximo vive conforme suas possibilidades e verdades e reage aos nossos estímulos movidos por forças e coisas que desconhecemos embora reajam como esperávamos...
Às vezes esquecemos que nós somos os próximos de alguém e que vivemos conforme nossa possibilidades e verdade e reagimos aos estímulos externos com toda a nossa força interna, movidos por algo e energias que desconhecemos. Somos exatamente previsíveis como os outros que subestimamos esperavam...




Ás vezes o bandido que visualizamos no espelho do outro, mora em nós e nos assalta e tanto nos infelicita que precisamos acreditar que é o outro. Clarice nunca se esconde de verdades como essas e buscava a cada vez esses bandidos, salteadores do nosso interior que nos enriquece, desprotege, empobrece. Sem prendê-los jamais, soltava-os às suas linhas naturalmente, como natural fosse expor-se ao mundo no mais autêntico estado de incerteza, com as certezas mais vacilantes e por isso tão certas.
Nesse momento que saio de você como música de Victor Martins e Ivan Lins,  peço perdão pelas vezes que não fiz o que você esperava e das vezes que fiz o esperado mas não pelo motivo desejado ou imaginado.
Peço perdão pelas vezes que não te vi, 
pelas vezes que desejei que você me visse. 
Os convite não aceitos não estão guardados nos livros, 
não mais hospedam-se na minha lembrança, 
eles se diluíram de mim na medida em que você foi me mostrando que bastava recebê-los 
eu fui desistindo de fazê-los... 
Eu que não tanto me importava em da sua parte recebê-los,
acostumei-me  finalmente com o meu lugar na linha de um tempo que se não passou, jamais chegou.


Aqui, Clarice falaria como falou do tempo e eu como fiel que sou paro em suas orações. Aquela mulher por tão profana ter se  tornado santa das palavras, que saindo de si aspergia em nós como fosse água benta. Que emanando de suas vivências fala diretamente a mim, exatamente como a bíblia de um bem viver onde o único mandamento é conhece-te a si mesmo e registra para todos aquilo que entendes do que ela lhe diz.
Sigo registrando, hoje faço com que publique-se e esse mérito de mim é impossível tirar, pois ninguém apaga o passado, um presente vivido por duas vezes um futuro que chega a cada instante.
  • "O instante é em si mesmo iminente. Ao mesmo tempo que eu o vivo, lanço-me na sua passagem para outro instante".
  • "Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho".
  • "Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas".
  •  ”Analisar instante por instante, perceber o núcleo de cada coisa feita de tempo ou de espaço. Possuir cada momento, ligar a consciência a eles, como pequenos filamentos quase imperceptíveis mas fortes. È a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?”

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